Tiago Zaguini – de Londres

Eu sou o Thiago, tenho 38 anos e moro na Inglaterra desde 2017, quando tomei a decisão de sair do Rio de Janeiro e vir fazer um mestrado. Depois de um longo período refletindo se eu deveria largar uma carreira na área de meio ambiente em uma das maiores empresas brasileiras, resolvi arriscar vindo para o interior da Inglaterra para estudar ciências sociais e desenvolvimento internacional.

Depois de um ano de mestrado, consegui um contrato temporário também na área de meio ambiente numa indústria na região metropolitana de Londres e me mudei para a capital inglesa. Após 18 meses de contrato temporário consegui que o mesmo fosse renovado para permanente em fevereiro, um mês antes de eu ser infectado pelo novo coronavírus.

No final de janeiro, quando os primeiros casos apareciam na Inglaterra, um colega tinha vindo da Itália. As pessoas no meu trabalho falavam que ele deveria se isolar e eu pensava, “como as pessoas no Brasil vão se isolar se muitas famílias vivem na mesma casa, às vezes sem diferentes cômodos?”. Tragédia anunciada!

Naquele momento, também pensava em como eu iria me isolar se estou aqui sozinho, mas confesso que não imaginei que iria me contaminar tao rápido. Sendo honesto, não sei onde me infectei, pois já evitava sair de casa dias antes de o governo britânico declarar o atual lockdown. Já não ia dançar forró nem para pubs pelo medo do contato com outras pessoas. Provavelmente, mesmo consciente do potencial de contaminação do vírus e da necessidade de adotar medidas de minimização, como lavar e não esfregar as mãos no rosto, devo ter falhado e me infectei.

Na quinta-feira, dia 18 de março, minha empresa já tinha optado pelo home office. Sexta, quando acordei, vi que não tinha comida suficiente caso declarassem o lockdown. Naquele momento eu não sabia que mesmo durante o isolamento ainda poderia sair para comprar comida e remédios. Sábado, acordei cedo e fui ao supermercado às 7h15 da manhã. Já havia muitas pessoas e as filas eram quilométricas. Eu precisava de comida e paracetamol. Consegui comprar alimentos, mas não encontrei o bendito paracetamol. Passei o sábado com dor de cabeça, mas fiz a faxina no meu apartamento. À noite, a dor de cabeça tinha aumentado. Tomei o paracetamol que uma amiga tinha me dado e fui dormir. Acordei de madrugada com muito frio e percebi que estava com febre, embora não tivesse um termômetro disponível.

Ao acordar no domingo, sentia que tinha algo errado. Frio, dor no corpo, tosse, e provavelmente febre. Testei a temperatura com um termômetro emprestado pelo rapaz com quem divido casa e vi que estava com 38.5°. Tomei o paracetamol, mas imaginei que o vírus havia se instalado e já estava agindo. Disse ao meu amigo que não sairia mais do quarto, porém eu não tinha comida pronta e precisava cozinhar. Avisei que possivelmente tinha sido infectado pelo Covid-19 e que eu só iria usar a cozinha quando ele não estivesse lá. Enfim, é um problema quando você divide casa ou tem familiares. O isolamento, a descontaminação são simplesmente muito complicados.

Acho que os sintomas em mim não foram dos piores, passei três dias com febre, muito cansaço, dor no peito, uma tosse que parece que vai perfurar o pulmão. A sensação é uma mistura de dengue, gripe forte e ressaca. No terceiro dia, eu já não tinha febre, mas ainda sentia muito cansaço, porém comecei a responder e-mails e fazer algumas coisas do trabalho. Não que eles tivessem pedido, mas porque eu tinha medo de ficar estigmatizado e acabar perdendo o emprego. Embora com dor de cabeça e cansaço, eu podia fazer algumas atividades laborais e por isso comecei a trabalhar.

Fiz 10 dias de isolamento. Aos poucos, os sintomas foram diminuindo e fui passando a me sentir mais disposto. Na semana seguinte já tinha voltado 100% ao trabalho. Até ontem (08 abril), eu ainda sentia umas pontados no peito. Eu não tenha nenhum amigo ou conhecido que seja médico para quem eu pudesse ligar e analisar se os sintomas eram esses mesmo. Uma das minhas limitações por ser imigrante é não ter uma grande rede de amigos-família com um possível médico entre eles como eu tinha no Brasil. O NHS (sistema público de saúde aqui) orienta que os pacientes não devem ir aos centros de saúde e hospitais caso não haja dificuldade de respiração (casos graves), os postos de saúde estão priorizando o atendimento aos casos mais graves, portanto nos menos graves, como o meu (por sorte), a orientação é se alimentar bem e descansar.

Durante todo o tempo em que estive doente não comentei nada com minha família no Brasil para não deixá-los mais preocupados do que já estão com as notícias que ouvimos na TV, porém vinha escutando um relaxamento nas medidas de proteção, e talvez pelo fato de ninguém perto dos meu familiares ter apresentado os sintomas ou se tornado vítima do Covid-19, resolvi contar como eram e o quão dolorida é a doença.

Hoje tive pouca tosse e já me sinto bem melhor. Acredito que esteja perto de estar 100% recuperado. É bem angustiante o isolamento, o distanciamento social, a impossibilidade de ver os amigos, mas é ainda mais angustiante o medo e a incerteza de não saber se seu corpo está conseguindo combater o vírus, visto que não há um protocolo de tratamento definido.

Outro ponto de dúvida é se você também pode se contaminar novamente e se na fase final dos sintomas ainda há chances de contaminar outras pessoas. Ainda evito muito sair de casa pelo receio de contaminar outras pessoas. Em Londres, é permitido ir ao mercado e sair uma uma vez de casa para exercícios diários, entretanto há muita pessoas na rua especialmente nos finais de semana fazendo esportes, brincando nos parques e também porque nos últimos dias o sol tem brilhado diariamente, mostrando que a primavera chegou e os londrinos querem aproveitar.

Ontem o governo informou que na sexta que vem serão reavaliadas as primeiras medidas adotadas. Aparentemente, o distanciamento social está promovendo uma redução no número de casos. O governo está otimista, porém, como o primeiro-ministro está internado e espera-se que o pico de contaminação ocorra na próxima semana, eles postergaram a decisão de rever as medidas e, por enquanto, tudo fica como está.

Espero que todos que leiam esse relato entendam o quão angustiante e dolorida é a doença e que passem a adotar todas as medidas de isolamento social preconizadas pela maioria dos especialistas e pela Organização Mundial de Saúde. Embora haja outras medidas promissoras, atualmente apenas o isolamento social é consenso entre os especialistas para reduzir a velocidade de transmissão do vírus, o número de doentes e, consequentemente, o impacto no sistema de saúde. Tudo além disso é ruido de comunicação.

Se cuidem e, se puderem, fiquem em casa.

As informações são do site Sul21.

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