A recomendação de Jair Bolsonaro de comemorar os 55 anos do golpe, no próximo fim de semana, foi repudiada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal. Para o órgão, a decisão tem “enorme gravidade constitucional”, pois configura desrespeito ao Estado democrático de direito, na medida em que celebra um regime ditatorial, caracterizado por violações aos direitos humanos e crimes internacionais. “O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional”, afirma a PFDC, em nota pública. “Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988”, acrescentam.
Assim, apontam, “festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos”. A iniciativa “soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas”. Os procuradores observam que usar “a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa”, conforme prevê a Constituição.
Nos tempos atuais, afirma ainda a Procuradoria, o apoio de um presidente da República a um golpe de Estado representaria um crime de responsabilidade, previsto no artigo 85 da Constituição e na Lei 1.079, de 1950. Da mesma forma, não se pode admitir que uma autoridade do Estado celebre um golpe anterior. Além disso, “as alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto”.
Na nota, os procuradores dizem que, durante a ditadura, os órgãos de repressão “assassinaram ou desapareceram” com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. “Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas.”
A Procuradoria cita relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em 2014, que representa a “versão oficial do Estado brasileiro” sobre acontecimentos do período ditatorial, relatando crimes cometidos por agentes do Estado. “Juridicamente, nenhuma autoridade pública, sem fundamentos sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões da CNV, dado o seu caráter oficial”, sustenta.
“O relatório final da Comissão Nacional da Verdade confirmou que o Estado ditatorial brasileiro praticou graves violações aos direitos humanos que se qualificam como crimes contra a humanidade. A igual conclusão chegou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso Vladimir Herzog, em 2018. Também a Procuradoria-Geral da República assim entende, conforme manifestação na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 320 e em outros procedimentos em trâmite no Supremo Tribunal Federal”, diz a nota. A ADPF 320, protocolada em 2014 pelo Psol, questiona efeitos da Lei da Anistia, de 1979, usada pela Justiça para não levar adiante casos de violações de direitos humanos cometidos por agentes do Estado.
“Esses crimes bárbaros – execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais – foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”, lembram os procuradores, acrescentando que a gravidade dos fatos é de “clareza solar”.
Se fossem cometidos atualmente, esses fatos “receberiam grave reprimenda judicial, inclusive por parte do Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma em 1998 e ratificado pelo Brasil em 2002”.
As informações são da Rede Brasil Atual.
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