Por ocasião do aniversário de 159 anos da Caixa Econômica Federal, cabe retomar o debate de uma questão fundamental com a sociedade: para que serve um banco público? Pois é só, e somente só, em razão de que um banco público tem funções que o sistema financeiro privado não executa, que se justifica a existência de bancos públicos, incluindo a Caixa.
Enquanto os bancos privados atuam estritamente maximizando lucro, o que os leva a priorizar o curto prazo e o baixo risco, cabe aos bancos públicos ofertar crédito para setores e em modalidades nas quais os bancos privados não têm interesse. Toca aos bancos públicos a função de atuar no fomento ao desenvolvimento econômico, como financiamento habitacional, rural, saúde, educação, esporte e cultura, crédito para saneamento e infraestrutura. Também nas modalidades de fomento, estão as linhas de crédito para empresas, cujos negócios demandam maiores prazos de maturação e/ou maiores volumes de recursos – dois parâmetros que os bancos privados evitam – como empreendimentos em inovação tecnológica e matriz energética, por exemplo.
Além disso, são funções dos bancos públicos atuar no estímulo ao desenvolvimento regional, em geral executando políticas públicas para diminuir as desigualdades, atuar como promotores da inclusão bancária da população, agir em estímulo à concorrência bancária e, talvez a mais importante de suas funções, ser instrumento financeiro do Estado para expansão da liquidez em momentos de reversão da confiança, a chamada política contracíclica. Aliás, a crise financeira global de 2007-2009 demonstrou na prática a importância dos bancos públicos neste aspecto, frente à retirada do crédito do mercado pelos bancos privados – sempre avessos ao risco, mas muito mais em momentos críticos, justamente quando a sociedade mais precisa de crédito.
Esclarecida a importância estratégica dos bancos públicos, haja vista que os bancos privados são incapazes de substituí-los em suas funções, é preciso evidenciar que um banco público como a Caixa só consegue cumprir seu papel social e, simultaneamente, ser sustentável financeiramente, porque sua rentabilidade não se ampara apenas na Caixa stricto sensu, ou seja, apenas na empresa-mãe, mas sim porque se alicerça em todo o conglomerado Caixa – o que inclui suas subsidiárias integrais como a Caixa Seguridade, Caixa Cartões, Caixa Loterias e Caixa Asset.
Em que pesem nossas dúvidas acerca da capacidade cognitiva do atual presidente da República, bem como que tanto faz o que ele quer ou deixa de querer para a Caixa, é certo que aquele a quem Bolsonaro chama de seu chefe, o ministro da Economia Paulo Guedes, e o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, sabem muito bem que abrir o capital das subsidiárias do banco, ou seja, fazer os incensados IPO que Pedro Guimarães vem anunciando desde que assumiu, desequilibram o arranjo do conglomerado em prejuízo das funções de banco público da Caixa.
Abrir o capital das subsidiárias enfraquece a Caixa duplamente: uma, porque os valores obtidos com a venda das ações não serão reinvestidos no fortalecimento do banco, pois se trata de uma privatização aos pedaços, de forma que acabarão indo para o governo fazer caixa, provavelmente em mais uma inexplicável devolução de IHCD; outra, porque diminui a rentabilidade do banco, o que compromete o presente e o futuro – no presente porque já de imediato reduzirá o montante de lucros e dividendos que a Caixa repassa à União, e no futuro porque a Caixa já não terá a mesma capacidade para cumprir suas funções.
Se abrir o capital das subsidiárias por si só já representa enfraquecimento da Caixa, o que dizer da intenção de Pedro Guimarães de fazer os IPO em dupla listagem, ou seja, ofertar as ações da Caixa Seguridade, Caixa Cartões e Caixa Asset, tanto aqui no Brasil, pela B3, quanto nos EUA, pela New York Stock Exchange (NYSE)?
Para negociar ações no mercado americano, a empresa precisa se submeter à The Exchange Act, o que implica a imposição de fornecer ao mercado informações a respeito de suas operações, administração, controladores e resultados financeiros periodicamente. Também existem algumas regulamentações estaduais sobre o mercado de capitais dos EUA (blue sky laws), que também devem ser seguidas pelos emissores de títulos.
Dessa forma, o que Paulo Guedes e Pedro Guimarães pretendem é submeter um banco público federal à legislação norte-americana, através de suas subsidiárias. Mais um golpe contra a soberania do nosso país. Se hoje a Caixa é um instrumento financeiro 100% público, que pode ser a qualquer momento acionado pelo Estado para implementar políticas contracíclicas, em breve poderá ter essa função estratégica comprometida, visto que tais intervenções jamais estarão de acordo com os interesses de acionistas estrangeiros.
Portanto, precisamos redobrar nosso comprometimento com a defesa da Caixa, denunciando que a abertura de capital de suas subsidiárias é um péssimo negócio para a sociedade brasileira. Só será vantajosa aos bancos privados, que terão menos concorrência quanto mais Paulo Guedes – que antes de ministro é, na sua essência, um banqueiro do setor privado – conseguir enfraquecer a Caixa.
E por falar em bancos privados, nossa sociedade, aliás, deveria se preocupar mais com as últimas ações do governo Bolsonaro em seu favor, em especial o envio ao Congresso de projeto de lei para autorizar o uso de recursos públicos, ou seja, o dinheiro dos nossos impostos, para socorrer os bancos em caso de “crise severa”. Desde 2000, em função da Lei de Responsabilidade Fiscal, este tipo de socorro é proibido, ou seja, passamos pela “crise severa” do sistema financeiro global de 2007-2009 sem que nossos impostos fossem injetados em socorro de bancos privados.
Ao contrário dos bancos públicos, que sistematicamente revertem lucros e dividendos à União, os bancos privados historicamente nas crises em que se encontram com problemas de liquidez ou problemas de solvência recorrem ao Estado. Dito de maneira mais direta, a depender das intenções do governo Bolsonaro, os nababescos lucros dos bancos privados continuarão privados, mas os eventuais prejuízos causados pelas crises, mesmo aquelas causadas pela imprudência na atuação dos próprios bancos, serão bancados de forma direta por você, por mim, por toda a sociedade.
A importância estratégica de um banco público, como a Caixa, transborda para muito além das opções políticas e ideológicas do momento. Bolsonaro, Paulo Guedes, Pedro Guimarães – eles passarão! Os dois primeiros terão como castigo o registro da História, enquanto do último é provável que não fique sequer o eco na garagem do Matriz I. Mas a Caixa permanecerá!
A Caixa é uma sobrevivente de muitas tempestades, sob distintos ciclos políticos, diferentes governos com suas diferentes gestões, percorrendo a amplitude do espectro ideológico. Os 159 anos deram à Caixa a tenacidade necessária para resistir à tormenta sem se deixar partir. Nosso compromisso – empregados, movimentos sociais e sociedade – é segurar firme o leme da resistência e da luta em defesa desse patrimônio de todos os brasileiros, até podermos novamente navegar em águas de bonança.
Caroline Heidner*
Diretora do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região
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