Por 26 anos, Maria Betânia da Silva cumpriu diariamente o mesmo ritual: sair de casa com bolsa, prancheta, papel, caneta e informações para mais de 800 famílias do bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife (PE). Sob chuva ou sol, batendo de porta em porta, trabalhou para a erradicação da cólera, na década de 1990, da filariose, no início deste século, e do controle do zika vírus, em 2016. Durante a pandemia de covid-19, pela primeira vez, foi retirada das ruas.
Maria Betânia é agente comunitária de saúde (ACS), profissional que atua na ponta do sistema público, na Atenção Primária à Saúde (APS). Os agentes comunitários de saúde são pessoas que geralmente vivem nas comunidades onde atuam, por isso são considerados pontes entre a população e o restante dos profissionais das equipes de Saúde da Família. São fundamentais no rastreio de pessoas infectadas por covid-19, mas também na disseminação de informações sobre outras doenças.
Uma categoria fundamental para levar informações à população, os ACSs seguem negligenciados mesmo depois de um ano e cinco meses de pandemia. Entre janeiro e novembro de 2020, de acordo com dados do portal Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor), do Ministério da Saúde, a quantidade de ACSs atuando no país diminuiu 4,4%. A cobertura total da população brasileira no primeiro ano da pandemia reduziu de 63,30% para 61,13%. Se consideradas as capitais, somente cinco conseguiram aumentar a quantidade de agentes comunitários de saúde nas ruas entre 2018 e 2020: Salvador, Natal, Manaus, Macapá, Porto Velho, São Paulo e Curitiba. Mas se considerarmos apenas o primeiro ano de pandemia, 19 capitais brasileiras perderam ACSs.
As maiores quedas de cobertura, segundo o painel do Ministério da Saúde, foram nas cidades do Rio de Janeiro e Aracaju, que diminuíram em mais de 10% o número de profissionais nas ruas entre 2019 e 2020. A capilaridade dos agentes comunitários de saúde brasileiros chegou a ser mencionada pelo Imperial College London, no primeiro mês da pandemia, março de 2020, como um trunfo no enfrentamento à covid-19. Porém, esses trabalhadores só foram considerados essenciais há um ano, em julho.
Mesmo assim, o Brasil não conseguiu retê-los na rede de atenção primária, como mostram os dados do portal Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor), e muitos passaram a trabalhar em condições precárias. Recife, onde Maria Betânia trabalha, perdeu cerca de 6 pontos percentuais de cobertura de ACSs na atenção primária. Na capital pernambucana, a cobertura que já foi de 67% da população em 2018, em novembro de 2020 era de 60%. Pouco mais de 2.000 ACSs da Prefeitura do Recife foram retirados das ruas. “Não houve nenhuma formação para os agentes atuarem no território, muito menos cuidado por parte da gestão. No início (da pandemia), ofereceram equipamentos sem qualidade, só quando o Ministério Público de Pernambuco soube da denúncia foi que melhoraram essa situação. A gente ficou perdido, o que pudemos fazer foi nos salvar, restringindo as visitas às famílias”, afirma Maria Betânia.
Para não perder totalmente o vínculo com os pacientes, ela informou o número pessoal do Whatsapp. É pelo aplicativo, com conexão custeada com dinheiro do seu próprio bolso, que ela tenta manter o trabalho de promoção da saúde até hoje. “É uma agonia, o celular não para. A verdade é que nessa questão do coronavírus nós fomos subutilizados. Com o nosso conhecimento do território poderíamos ter feito um trabalho importantíssimo, não na assistência quando o paciente já está doente e hospitalizado, mas na prevenção e no monitoramento, com certeza o número de infectados e mortos seria bem menor”, aposta.
A íntegra das informações está disponível no site Sul21.
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