“De dia me lava a roupa/ De noite me beija a boca/ E assim nós vamos vivendo de amor”. Lida hoje, a letra dessa canção causa indignação. Se acaso você chegasse foi composta por Lupicínio Rodrigues e lançada por Elza Soares em 1960. A inevitável denúncia de uma visão de mundo machista é pertinente. Volta-e-meia, este tipo de releitura vem acionando os autores da música popular brasileira.
Os vivos veem-se às voltas com explicações, desculpas e reconhecimento de que os tempos são outros. Chico Buarque passou por um episódio recente, foi instado a vir a público em 2022 comentar o porquê de não poder cantar mais Com açúcar e com afeto.
Já os mortos, que não tiveram a oportunidade de ver a sua própria obra ser recontextualizada e sofrer críticas, podem não ter como único destino o esquecimento. Podem, sim, vir a ser objeto de revalorização franca. Foi o caso do gaúcho Lupicínio Rodrigues, neste 2023 ordinário. Mesmo não marcando nenhuma data em especial (seu centenário, por exemplo, já passou), foram produzidas duas iniciativas que recolocam vida e obra do sambista gaúcho em validação.
A biografia assinada por Arthur de Faria e a exposição produzida por Carlos Gerbase reposicionam nos holofotes pixelados da atualidade o conterrâneo que mais circulou Brasil afora em meados do século passado. Tarefa espinhosa para quem propusesse um revisitar evitando tocar na incompatibilidade de certos tratamentos amorosos e igualitários de outrora com a vigilância bem-vinda de feministas e antirracistas que atuam em rede nos tempos de hoje.
A franqueza em apontar expressões machistas e racistas acaba por jogar limpo com o público contemporâneo, desarmando-o e convidando-o a apreciar uma obra fora da curva. Lupicínio Rodrigues certamente cunhou nas estradas da super informação, num gesto inaugural ainda em sulcos de vinil, canções que perseguem a imortalidade.
A íntegra das informações está disponível no site Brasil de Fato.
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